Tutorial de calibração do transmissor inteligente Parte 1
Introdução
A calibração de transmissores pode ser realizada diretamente no campo, utilizando um comunicador portátil, na bancada da oficina com o auxílio de um laptop, ou ainda por meio de softwares de gerenciamento inteligente de dispositivos (IDM), integrados a sistemas de gestão de ativos.

A arquitetura FDT/DTM (Field Device Tool / Device Type Manager) é amplamente utilizada para viabilizar a comunicação entre dispositivos de campo e sistemas de automação, independentemente do protocolo de rede utilizado. Por meio dos DTMs (pacotes de software desenvolvidos pelos fabricantes) é possível identiricar as características de cada dispositivo de forma detalhada, com uso de interfaces gráficas intuitivas que facilitam as atividades de calibração, diagnóstico e configuração.
Esse modelo fornece aos técnicos uma experiência mais interativa e visual no acesso às funcionalidades dos transmissores inteligentes, promovendo maior eficiência na manutenção e operação dos instrumentos.
Este tutorial será dovido em 3(tres) parte onde seram apresentados os s princípios fundamentais que envolvem a calibração, reconfiguração e ajuste aplicáveis a diferentes tipos de transmissores, destacando como esses processos podem variar de acordo com o tipo de variável medida, o princípio de detecção utilizado e as especificações de cada fabricante.

O procedimento detalhado varia ligeiramente dependendo da medição feita, do princípio de detecção e de cada fabricante.
Calibração
A calibração é um processo fundamental para garantir que os instrumentos de medição — como transmissores de pressão, temperatura, nível ou vazão — estejam operando dentro dos limites de precisão estabelecidos por normas internacionais. De acordo com a norma ANSI/ISA–51.1, calibrar significa determinar as saídas de um dispositivo em resposta a uma série de valores conhecidos da variável que ele deve medir, receber ou transmitir.
Esse processo pode ter diferentes propósitos, entre eles:
- Definir o intervalo de medição (range setting) – estabelecendo os limites mínimo e máximo da variável de processo a ser medida;
- Ajustar a resposta do dispositivo (trim ou ajuste) – corrigindo a leitura do sensor (transdutor) ou da saída elétrica, como o sinal de 4–20 mA, para alinhá-la a um padrão de referência;
- Verificar a precisão sem ajustes (as-found ou verificação) – comparando a leitura do instrumento com um padrão rastreável para quantificar o desvio (erro) existente, sem intervenção corretiva imediata.
A calibração geralmente é realizada em cinco pontos (0%, 25%, 50%, 75% e 100% do intervalo), em ciclos de subida e descida, para avaliar a linearidade, histerese e repetibilidade do instrumento. Caso o erro observado ultrapasse os limites de tolerância aceitáveis, conforme as diretrizes do fabricante ou normas técnicas aplicáveis, o transmissor pode ser ajustado, reconfigurado ou até mesmo substituído.
A execução da calibração deve seguir procedimentos padronizados baseados em normas como ANSI/ISA, IEC 61298, ISO 17025 ou outras diretrizes aplicáveis ao tipo de instrumento e ao setor industrial, assegurando rastreabilidade metrológica e conformidade com os requisitos de qualidade.
Calibrando Transmissores Inteligentes
O termo “calibração” pode causar confusão quando se trata de transmissores inteligentes, principalmente entre profissionais com menos familiaridade com a tecnologia.
No passado, com os transmissores analógicos, calibrar significava aplicar um sinal físico conhecido (como pressão ou temperatura) e ajustar potenciômetros no próprio transmissor. Esses ajustes manuais garantiam que a corrente de saída analógica (geralmente de 4 a 20 mA) correspondesse corretamente à variável medida dentro da faixa desejada.
Com a chegada dos transmissores inteligentes (que possuem microprocessadores e comunicação digital), o processo de calibração foi dividido em três etapas distintas, cada uma com uma função específica:
- Ajuste do Sensor (Sensor Trim)
Essa etapa garante que a medição interna feita pelo sensor esteja precisa em relação a um padrão de referência. É feita aplicando um sinal físico conhecido (como uma pressão calibrada) diretamente ao sensor e ajustando o transmissor para que reconheça esse valor corretamente. - Configuração de Intervalo (Re-ranging)
É a definição da faixa de operação desejada para o transmissor (por exemplo, de 0 a 100 bar). Esse ajuste é feito sem a necessidade de aplicar um sinal físico ao sensor, o que representa uma grande economia de tempo e esforço. É uma simples configuração via software ou comunicador. - Ajuste da Corrente de Saída (Output Trim)
Esse ajuste é usado para garantir que a saída de 4-20 mA esteja corretamente alinhada com o valor medido, especialmente útil quando há uma pequena diferença entre a medição digital e a saída analógica do transmissor.
Importante:
É comum confundir o ajuste do sensor com a configuração do intervalo. Ambos fazem parte do processo de calibração, mas são atividades completamente diferentes:
- O ajuste do sensor lida com a precisão da medição feita internamente.
- A configuração de intervalo define como essa medição será interpretada e transmitida para o sistema de controle, sem alterar a medição física em si.
Na prática, muitos profissionais consideram o re-ranging mais como uma configuração do que uma calibração completa, já que não envolve nenhum sinal físico nem alteração nos parâmetros do sensor.
Trim do sensor (trim digital)
📐 Ajuste do Sensor (Trim Digital)
Com o tempo, é natural que os sensores dos transmissores inteligentes sofram pequenos desvios em suas medições. Isso pode ocorrer por diversos fatores, como:
- Exposição a pressões ou temperaturas extremas
- Vibrações constantes
- Fadiga dos materiais
- Contaminação do sensor
- Alterações na posição de montagem
Esses fatores podem causar pequenas diferenças entre o valor real da variável de processo (como pressão ou temperatura) e o valor indicado no display local do transmissor ou no sistema de controle.
🔧 O que é o ajuste do sensor?
O trim do sensor é uma etapa da calibração usada para corrigir essas imprecisões diretamente no sinal digital gerado pelo sensor. Ou seja, ele ajusta a leitura interna que o transmissor está “vendo”, sem alterar o hardware.
Exemplo:
Imagine que a pressão real no processo seja 0 bar, mas o transmissor esteja indicando 0,03 bar. Isso indica um desvio. O ajuste do sensor (sensor trim) serve para informar ao transmissor que a entrada aplicada é, de fato, 0 bar, permitindo que ele corrija automaticamente sua leitura.
🧠 Como funciona o ajuste?
O processo segue um princípio simples:
- Aplica-se uma entrada física conhecida (ex.: pressão de 0 bar ou 100 bar).
- Informa-se ao transmissor qual é esse valor.
- O transmissor calcula internamente os fatores de correção.
- O transmissor passa a utilizar esses novos fatores para fornecer leituras mais precisas.
Importante: Esse ajuste é feito no firmware do microprocessador, ou seja, digitalmente após a conversão analógica-digital (A/D). O sensor em si não é fisicamente modificado.
🧰 Onde e como é feito o ajuste?
O ajuste do sensor pode ser realizado de duas formas:
- No campo, usando um comunicador portátil conectado ao transmissor (ideal para HART, WirelessHART e FOUNDATION Fieldbus).
- Na oficina, com o transmissor desmontado e conectado a um equipamento de calibração de bancada.
Para transmissores PROFIBUS-PA, o comando de ajuste pode ser enviado pelo sistema de controle, ou o transmissor pode ser temporariamente removido do barramento para realizar o ajuste com equipamentos de bancada.
🧭 Tipos de Ajuste do Sensor (Trim Digital)
Durante o processo de calibração de um transmissor inteligente, podemos realizar três tipos principais de ajuste (ou trim) no sensor. Cada um tem uma função específica, relacionada a diferentes pontos da faixa de medição.
1. 🔧 Trim de Zero (Zero Trim)
- O que é:
É o ajuste feito quando o valor físico aplicado ao transmissor é zero. - Quando usar:
Esse ajuste é útil quando o sensor deve indicar exatamente zero, mas está apresentando uma leitura diferente (exemplo: 0,03 bar, 0,1°C, etc.). - Exemplo prático:
Um transmissor de pressão está instalado em uma tubulação despressurizada. A pressão real é 0 bar, mas o transmissor está indicando 0,05 bar. Aplicamos um trim de zero para que ele corrija sua leitura para 0 bar, como deveria ser. - Importância:
Esse ajuste corrige o ponto de referência inicial da medição, eliminando desvios no ponto de partida da faixa. - Observação:
Este tipo de trim não altera o span (faixa total de medição), apenas o valor de leitura correspondente a “zero físico”.
2. 📉 Trim Inferior (Lower Sensor Trim)
- O que é:
É o ajuste feito quando se aplica um valor físico diferente de zero, mas que corresponde ao ponto inferior da faixa de medição (também chamado de LRV – Lower Range Value). - Quando usar:
Quando queremos garantir que o transmissor leia corretamente o limite inferior da faixa configurada. - Exemplo prático:
Temos um transmissor configurado com faixa de 0 a 100 bar. Aplicamos uma pressão de 0 bar (limite inferior da faixa), e o transmissor indica 0,3 bar.
Ao fazer o trim inferior, informamos ao transmissor: “a entrada aplicada aqui é 0 bar”. O transmissor se ajusta e passa a mostrar corretamente esse ponto da faixa. - Importância:
Garante que a medição na extremidade inferior da faixa esteja precisa. Esse tipo de ajuste é crucial em medições onde o ponto de partida real não é zero absoluto, como em transmissores configurados com faixa de 20 a 100 °C, por exemplo.
3. 📈 Trim Superior (Upper Sensor Trim)
- O que é:
É o ajuste feito aplicando um valor físico que corresponde ao ponto superior da faixa de medição (URV – Upper Range Value). - Quando usar:
Quando queremos garantir que o transmissor esteja medindo corretamente o limite superior da faixa configurada. - Exemplo prático:
No mesmo transmissor com faixa de 0 a 100 bar, aplicamos uma pressão de 100 bar e o transmissor indica 99,2 bar.
Fazemos o trim superior para informar ao transmissor que o valor aplicado é 100 bar. Assim, ele recalcula seu ganho interno e passa a medir corretamente esse ponto superior. - Importância:
Garante precisão na extremidade superior da faixa, sendo essencial para aplicações onde o limite máximo influencia diretamente no controle ou segurança do processo.
🔄 Por que fazer Trim Inferior e Superior juntos?
Ao realizar apenas o trim de zero, você corrige um desvio fixo, mas não ajusta a inclinação da curva de medição (ganho).
Já o trim inferior e superior juntos permitem que o transmissor recalcule tanto o ponto de partida quanto o ganho da medição, ajustando a linearidade da curva.
📊 Imagine a calibração como alinhar uma régua:
- O trim de zero alinha o início da régua (ponto zero).
- O trim inferior garante que o “começo útil” da régua está certo.
- O trim superior garante que o “fim útil” da régua também está certo.
Juntos, todos garantem que a medição digital reflita com precisão a realidade física em toda a faixa de trabalho.
🧪 Requisitos para o ajuste
- A entrada física precisa ser muito precisa.
Por isso, os ajustes feitos em fábrica (com equipamentos de alta precisão) tendem a ser mais confiáveis do que os feitos com calibradores portáteis. - Os transmissores modernos são geralmente muito estáveis.
Por isso, o ajuste do sensor nem sempre é necessário durante o comissionamento de um novo transmissor.
⚙️ Compensação do Sensor – O que é e para que serve?
Durante o ajuste (ou trim) de um transmissor inteligente, o equipamento precisa registrar em quais pontos da faixa de medição os ajustes foram realizados. Esses pontos são chamados de parâmetros de compensação do sensor, ou CAL_POINTs.
🎯 Qual o objetivo da compensação?
O principal objetivo dos parâmetros de compensação é:
- Registrar os pontos de entrada física usados no último ajuste do sensor;
- Permitir que o transmissor corrija internamente a medição nesses pontos, melhorando a exatidão;
- Servir como referência para o sistema identificar até que ponto a medição é confiável, e quando começa a haver extrapolação.
📌 Exemplo prático:
Se os parâmetros de compensação do sensor estiverem definidos como 0 mbar e 360 mbar, isso significa que o último ajuste (calibração com entrada física conhecida) foi realizado nesses dois pontos.
O transmissor pode estar configurado para medir uma faixa maior, como -600 a +600 mbar, mas fora dos pontos ajustados (0 e 360 mbar), ele estará extrapolando os dados, ou seja, estimando os valores com base nos ajustes feitos.
Embora a leitura fora desses pontos ainda possa ser funcional, a precisão não é garantida com o mesmo nível de confiança.
📐 Importância de ajustar pontos extremos da faixa:
Se o ajuste do sensor for feito nos limites reais da faixa, por exemplo, -600 mbar e +600 mbar, o transmissor poderá operar com maior exatidão em toda a extensão de medição. Isso é essencial em aplicações onde a precisão em toda a faixa é crítica para controle ou segurança do processo.
⚠️ Diferença entre “compensação do sensor” e “configuração de faixa”:
É importante entender que os pontos de compensação do sensor não são parâmetros configuráveis pelo usuário para definir faixa de medição.
- Eles não são os valores de configuração de LRV e URV (Lower/Upper Range Value);
- Eles são gravados automaticamente durante o procedimento de ajuste do sensor (calibração com entrada física);
- Após o ajuste, o transmissor armazena esses pontos como referência interna, para aplicar correções nos cálculos de medição.
👨🔧 Assistente de Compensação do Sensor
Muitos transmissores modernos contam com um recurso chamado “assistente de compensação” (ou Sensor Trim Wizard), que:
- Guia o técnico passo a passo durante a calibração;
- Solicita a aplicação de valores físicos conhecidos nos pontos desejados;
- Grava automaticamente os valores aplicados como novos CAL_POINTs;
- Atualiza a compensação do sensor com base nesses dados.
✅ Conclusão
A compensação do sensor garante que o transmissor interprete corretamente os sinais do sensor físico com base em valores reais aplicados. Ajustar nos pontos certos da faixa de operação é essencial para garantir precisão, linearidade e confiabilidade das medições, especialmente em processos críticos.
AMS Trex Device Communicator | Emerson BR
Calibração e alcance dos transmissores Fieldbus – Dicas de Instrumentação